Em 2015 empreendi uma pesquisa — como condição para aprovação no Programa de Pós Graduação em Sociologia Política na Universidade Federal de Santa Catarina — sobre velhices masculinas. A pesquisa se deu em uma cidade localizada no Planalto Serrano, microrregião dos Campos de Lages no Estado de Santa Catarina. Com uma área de 969 km2, São José do Cerrito contava em 2010 com 9.273 habitantes, declinando em 2014 para 8.941. Destes, 8,1% das pessoas idosas do município são homens e 7,4% são mulheres, contrariando, de acordo com IBGE (2010), as estatísticas de pessoas idosas do país e do estado de Santa Catarina, com maioria feminina.

São José do Cerrito¶
São José do Cerrito SC é uma dessas localidades de histórias locais subalternizadas — no sentido da teórica indiana Spivak (2010) quando designa o termo às camadas mais baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão — onde projetos globais são adaptados, integrados ou ignorados, como a própria Constituição Federal (1988), a Política Nacional do Idoso (1994) e o Estatuto do Idoso (2003). A maioria de sua população tem raízes locais, conservando seus modos de viver e costumes deixados por seus antepassados, abrigando pessoas idosas em suas diversas idades e experiências, em um espaço que pode, por um lado, alocar o que há de mais rápido e moderno das tecnologias de informação, e, por outro, de acordo com Bauman (1999), permitir que seus habitantes se bastem de medidas antropomórficas (pés, punhados, polegadas, etc.) no cálculo das distâncias, por exemplo.
Trabalho de Campo¶
Como metodologia da pesquisa foi realizado um trabalho de campo em quatro etapas no primeiro semestre de 2015 em vários locais do município, especialmente no Grupo de Idosos Conviver vinculado à Assistência Social da Prefeitura. Além disso, foram entrevistadas vinte e sete pessoas, sendo treze homens idosos, com idades entre os 60 e 87 anos e quatorze profissionais envolvidos(as) direta ou indiretamente com este segmento etário. Esses profissionais são vinculados(as) ao Conselho Regional de Assistência Social (CRAS), ao Grupo de Idosos Conviver, alguns representantes do Conselho Municipal do Idoso (CMI), enfermeiras do Posto de Saúde, Sindicato Rural dos Trabalhadores e profissionais da Igreja Católica.
Um dos resultados obtidos em relação à doença e possível mortandade dos homens idosos, ressalto o câncer de próstata em primeiro lugar, seguido de problemas de pressão, hipertensão, catarata e diabetes. De acordo com uma das enfermeiras da localidade:
A partir dos 40 anos todos os homens tem que fazer uma vez por ano um ‘checape’, exames de vários tipos, mas geralmente os homens do Cerrito quando chegam, já estão com o estado muito avançado da doença. E a partir dos 50 nos se for detectado alguma alteração, tem que fazer o exame da uretra, o ‘toque’, pra ver o tamanho da próstata, mas a maioria já se deparam com um câncer”.
A enfermeira acrescenta que um dos motivos do câncer de próstata no Cerrito e região, é o consumo excessivo da carne vermelha, mas não só, diz ela: “eu acredito também que é a falta de cuidados, falta de orientação e má alimentação”. Como tentativa de combater essa doença, campanhas de saúde foram realizadas pela equipe do Posto de Saúde daquela localidade, especificamente para o homem idoso, desencadeadas com maior ênfase a partir da implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem de 2008 e durante campanha do Novembro Azul.
Noção de cuidado¶
Uma das categorias analíticas da minha pesquisa foi a noção do cuidado. Pensar no cuidado vinculado às questões do envelhecimento, faz-nos pensar num primeiro momento aos processos de saúde/doença e às velhices fragilizadas — no exemplo aqui citado, o do câncer de próstata. Ao longo da história, o cuidado parece ter sido um desígnio da família e, mais especificamente, das mulheres. São elas, de acordo com as enfermeiras, que levam seus pais, maridos e sogros para o Posto de Saúde. Sem elas, eles não iriam.
A noção de cuidado para a compreensão das relações de gênero em São José do Cerrito e para o ideário masculino de velhice nesta localidade, se justifica por sua abrangência em várias esferas do cuidado, seja optar pelo não uso de agrotóxicos por parte dos agricultores ou pelo zelo nas relações conjugais que parece — no recorte desta pesquisa — driblar o próprio câncer de próstata, de acordo com trecho do diário de campo (os nomes utilizados são pseudônimos afim de resguardar a identidade dos entrevistados):
Moisés demonstra em vários momentos da entrevista sua velhice vinculada à velhice de sua esposa, seus cuidados e esmero. Moisés teve problemas sérios de próstata. Zaíra, sua esposa, está ‘curando’ ele com ‘emplastro’ de argila e ele tem melhorado bastante.
Mas o cuidado não foi perc ebido somente nas relações conjugais, mas em outros tipos de sociabilidades. O Padre da localidade informou que o motivo de sua transferência para àquela Paróquia foi para cuidar de outro Padre diagnosticado com câncer de próstata.
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA) cerca de 6 em cada 10 casos são diagnosticados em homens com mais de 65 anos, sendo o câncer de próstata a segunda maior causa de morte em homens seguido apenas pelo câncer de pulmão.
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